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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011





A Mente que não mente


A ortodoxia religiosa sempre andou preocupada com a eclosão de doutrinas reformistas e renovadoras que classifica sumariamente de heréticas. Essa vigilância tem levado a muita perseguição injusta e a não poucos arrependimentos e recuos.

 Alguns heréticos chegaram mesmo a passar da condição de réprobos à canonização, como Joana D’ Arc, quando foi revisto o seu processo. Outros, como Giodarno Bruno e Galileu, constituem até hoje pontos sensíveis na história eclesiástica, como pecados da juventude que não relembramos sem angústia.

O problema, porém, tornou-se muito mais sério nestes últimos tempos, nos quais o arcabouço teológico começa a estalar ao peso insuportável da modernização do pensamento. Ainda que a ciência também tenha seus dogmas e seus hereges, muito do que ela vai revelando adquire foros de conquista irreversível, geralmente em sacrifício de velhos conceitos superados.

Qualquer menino de ginásio sabe hoje que um corpo humano não pode subir ao céu como querem os dogmas da ascensão do Cristo e de Maria.

Mesmo admitindo-se a atuação de uma força propulsora que os projetasse para além da gravidade terrestre, os corpos assim deslocados, ficariam suspensos no espaço a circular na órbita da terra ou de seu satélite.

Esse tipo de conhecimento leva o homem moderno às trilhas da descrença por não saber como conciliar razão e fé. Os grandes filósofos do cristianismo ortodoxo conseguiram, com enorme sucesso e por largo espaço de tempo, convencer fiéis de que a fé era uma coisa e razão outra, e que aquela não poderia ser subordinada a esta.

Ainda há quem admita esse conceito absurdo; outros, porém, preferem pensar por sua própria cabeça e submeter à crítica da razão aquilo que lhes chega envolvido pela atmosfera abafada da teologia escolástica. Estes derivam para descrença e desanimam na busca da verdade ou partem para o estudo sistemático de qualquer sistema que ofereça alguma luz ao entendimento do universo.

O Espiritismo é a doutrina que conseguiu, pela primeira vez, conciliar fé e razão, não admitindo aquilo que não puder passar no teste do racionalismo inteligente e esclarecido.

Por isso vai se impondo metodicamente, seguramente, ampliando cada vez mais sua área de influência, pois atrai a todos aqueles que, sem poderem mais aceitar a velha crença divorciada da razão, estão prontos para acatar uma verdade superior que não exige o sacrifício do raciocínio. Mas ainda: o Espiritismo expõe uma doutrina do mais profundo sentido humanista. A sua racionalidade não a levou à frieza dos símbolos matemáticos ou dos meros conceitos filosóficos – é, antes, uma norma de vida, um roteiro para compreensão do universo e posicionamento do homem na escala cósmica.

Por isso, muitos nos procuram, o que preocupa, como é natural, os responsáveis pela perpetuação do superado sistema dogmático. Através dos séculos, chegou a ser desenvolvida uma verdadeira técnica de combate às novas idéias que ameaçam a estabilidade da ortodoxia. Essa técnica se aperfeiçoa com o passar do tempo, mas continua basicamente a mesma.

O Espiritismo é uma das doutrinas que muito vem incomodando a igreja especialmente a brasileira, ou seja, a porção brasileira do catolicismo romano. Para combatê-los, vários e ilustres sacerdotes têm sido investidos dos necessários poderes e dos competentes “Imprimatur” e “Nihil Obstat”. Essa é a técnica básica.

Há algum tempo, entretanto, a dominante do plano de ataque era a velha doutrina de interferência do diabo nas manifestações mediúnicas. Hoje isto seria inadmissível, pois até mesmo os sacerdotes já descobriram que essa história de demônio é fantasia pura. A prova está nas declarações de alguns eminentes teólogos perante o Concílio Vaticano-II. Impedidos assim de invocar o demônio de atacar a ciência nas suas conquistas mais legítimas, buscam qualquer princípio científico que ofereça a mínima possibilidade de apoio. Esse é o ponto em que variou a técnica.

Um dos recursos de que estão se socorrendo os nossos queridos irmãos sacerdotes é a Parapsicologia, na qual vêm depositando grandes e infundadas esperanças.

A Parapsicologia ainda não está muito segura de si e sofre dum renitente mal de origem, que poderíamos chamar, recorrendo ao velho grego, de pneumofobia, ou seja, medo do espírito. A jovem ciência que nós espíritas, poderíamos classificar como autêntica reencarnação da Metapsíquica, treme à idéia de acabar descobrindo o espírito humano e foge da palavra como, segundo se dizia, o desmoralizado diabo fugia da cruz. Os modernos tratados de Parapsicologia giram todos em torno do mesmo “leit motiv”: “O Alcance da Mente”, “O Novo Mundo da Mente”, “Ciência Fronteiriça da Mente”, “Canais Ocultos da Mente”. É tudo mente e nada de espírito. Sobrevivência?! Deus nos livre! Pois se nem quererem concordar em que o espírito exista, como vão admitir que sobrevive? Nada disso; tudo se explica pela faculdade extra-sensorial da mente. Mas que faculdade é essa e que “Mente” é essa?

Vêm, então, os nossos inevitáveis sacerdotes parapsicológicos deitar sabedoria extra-sensorial, contaminados irremediavelmente pela mesmíssima pneumofobia e tudo para eles é Mente também.

Topamos, assim, como esta incongruência, difícil de se admitir em homens que devem ter estudado a sua filosofia:

1 – a mente dispõe de faculdades extra-sensoriais (postulado cientifico que aceitam e ensinam);
2 – o espírito (alma) que não pode existir sem a mente; sobrevive à morte física (postulado teológico que também aceitam e pregam);
3 – a mente (ou espírito ou alma) não está sujeita a limitação de tempo ou de espaço (também pacífico).

No entanto, qual a conclusão: A mente do espírito sobrevivente que ligada ao corpo, tinha recursos tão notáveis, não pode manifestá-los quando se separa do corpo pela morte física, a não ser através do “milagre”(!).

E os livros que contam essas coisas merecem ingênuos e inadvertidos “Imprimatur” e “Nihil Obstat”, o que vale dizer que são aprovados, confiantemente para o leitor católico; autoridades Eclesiásticas respeitáveis dão cobertura do ponto de vista teológico a obras que, do ângulo científico, estão oferecendo uma visão deformada e incompleta da realidade. A Parapsicologia não tem substância suficiente para oferecer base à teologia ortodoxa e jamais a terá, enquanto permanecer contida nos seus gabinetes atuais.

No dia em que o mecanismo do espírito (chamem de mente se quiserem) for pesquisado por cientistas corajosos e despidos de preconceitos, vão ser “revelados” os seguintes pontos que o Espiritismo conhece há mais de cem anos:

1- que espírito existe, preexiste e sobrevive;
2- que há um intercâmbio ativo entre os homens que já viveram na Terra e os espíritos dos que vivem como homens;
3- que o espírito se reencarna, evolui e é responsável pelo que faz aqui e no mundo espiritual.

Diante disso, como é que vão ficar os nossos padres parapsicólogos? Quando voltarem para o espaço, depois da chamada “crise da morte” e quiserem transmitir a realidade da sobrevivência ao companheiro encarnado, este poderá dizer muito simplesmente que não é preciso admitir a comunicação espírita; basta a pantomnésia ou a hiperestesia direta, ou indireta. E o pobre espírito, dentro duma realidade irrecusável, irá amargar alhures a repercussão de sua vaidade teológica e científica.

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